Lição 1 – Introdução à Escrita
Um Pouco de História
Não é segredo para ninguém que o hebraico é uma língua muito antiga.
Quando o alfabeto hebraico surgiu praticamente não havia diferença entre o alfabeto hebraico, o canaanita e o fenício. Esse alfabeto é também chamado paleo-hebraico:
Os fenícios, assim como os hebreus, era um povo semita que vivia em Canaã - atuais Líbano e Israel. Eles falavam uma língua muito parecida ao hebraico e tinham praticamente o mesmo alfabeto.
Só que, diferente dos hebreus, que dedicavam-se ao pastoreio de rebanhos, os fenícios eram grandes navegadores e comerciantes. Por isso eles acabaram difundindo o seu alfabeto por todo o mar Mediterrâneo.
Vários povos não semíticos começaram a grafar suas próprias línguas utilizando o alfabeto fenício e modificando-o com o tempo. Assim surgiu o alfabeto grego a partir do original semítico e depois o alfabeto latino a partir do grego.
Cerca de 600 anos a.C. boa parte do povo hebreu foi exilada na Babilônia – atual Iraque. Lá as letras hebraicas foram influenciadas pelo alfabeto aramaico (também descendente do semita) e tomaram novas formas – que nós utilizamos até hoje – conhecidas como "letras quadráticas":
א ב ג ד ה ו ז ח ט י כ ל מ נ ס ע פ צ ק ר ש ת
Aí estão as 22 letras que formam o alfabeto hebraico. Em hebraico nós escrevemos da direita para a esquerda. Portanto a primeira letra do alfabeto é esta: א
Obs.: Se você não pode ver as letras hebraicas acima, sugerimos que atualize seu navegador.
O Nome das Letras
O nome da primeira letra do alfabeto é "Alef".
Bem, em português o nome da letra corresponde ao som que ela representa: “a-bê-cê-dê…”
Já em hebraico, as letras têm nomes associados às suas origens:
Quando, muito antes do surgimento da escrita, as pessoas queriam registrar alguma coisa, ou mesmo narrar um acontecimento, elas capturavam a essência do objeto, ou da ação em forma de um desenho.
Com o passar do tempo esses desenhos foram simplificando-se e juntando-se a outros desenhos e foram formando um sistema de escrita simbólico ou "logográfico". Exemplos deste tipo de escrita são os antigos hieroglifos egípcios e também os atuais caracteres chineses.
As letras do primeiro alfabeto originaram-se também de pictogramas, ou seja, desenhos que representavam alguma coisa:
Portanto as letras nada mais são que desenhos simplificados. Em hebraico elas mantêm o nome original das coisas que elas representavam. Muitas dessas palavras ainda são utilizadas na língua hebraica. Uma palavra assim começa com a letra que tem o mesmo nome que a palavra em si. É mais ou menos do jeito que nós aprendemos a cartilha, lembra?
“A” de “abelha”, “e” de elefante…
E as vogais?
Já que chegamos na boa e velha cartilha, vamos aproveitar e dar uma olhadinha novamente. O que as cinco letras representadas acima têm em comum?
“a-e-i-o-u” são as cinco letras que representam as vogais na língua portuguesa.
Em hebraico não temos letras equivalentes a estas. Todas as 22 letras do alfabeto hebraico representam consoantes.
É verdade, muito bem pensado! Nossas vogais são descendentes das letras que você citou. Só que em hebraico essas letras não são vogais. Mas guarde esse pensamento, porque na próxima lição vou contar o resto da estória, e você verá que há um pouco de razão nesse seu raciocínio...
Mas por enquanto continue comigo e imagine como seria escrever um texto em português sem as vogais. Em hebraico sempre se escreveu e ainda se escreve assim. Jornais, revistas, livros, etc. Todos utilizam o texto não vocalizado.
A vantagem de se escrever sem vogais é que é bem mais simples e rápido. Você provavelmente usa um sistema parecido quando tecla casualmente com seus amigos:
- blz = beleza
- pq = porque
- tmb = também
- vc = você
- vlw = valeu
A desvantagem de se utilizar essa maneira sucinta de escrever é que o leitor tem que estar bem familiarizado com as palavras que está lendo, caso contrário não conseguirá nem mesmo pronunciá-las.
A Bíblia e a Tradição Massorética
Para o hebraico, a composição mais importante; aquela que define a identidade linguística, cultural, política e religiosa do povo judeu, é o texto bíblico.
Até hoje a Torah (o pentateuco) é escrita à mão utilizando pena e pergaminho (pele de boi). O texto tradicionalmente não é vocalizado.
Dada essa característica do texto sagrado, era difícil manter a unidade e a integridade fonética da língua. As comunidades judaicas foram sujeitadas a considerável dispersão geográfica ao longo da história: em Israel, na Babilônia, e a partir do ano 70 d.C., espalhadas em todo o mundo conhecido.
Era portanto cada vez mais urgente um sistema de normatização da pronúncia do texto bíblico.
A proposta para solucionar essa questão que alcançou aceitação mundial foi o sistema de vocalização criado pelos massoretas a partir de 700 d.C. Os massoretas eram escribas e estudiosos das escrituras concentrados principalmente em Tiberíades – uma cidade da Galileia – norte de Israel.
O sistema que eles criaram consiste de pontinhos e tracinhos geralmente em baixo das letras para representar as vogais. Por isso esse sistema é chamado de “tradição massorética” ou “pontos tiberianos”.
Com Ponto ou Sem Ponto?
Hoje em dia nós apenas utilizamos o texto vocalizado – ou seja, com os pontinhos – para determinados fins, onde o auxílio das vogais é necessário:
Por exemplo, quando uma publicação está destinada ao público infantil, ou para novos imigrantes. Isto é, para pessoas que ainda não estão suficientemente familiarizados com a língua e podem ter dificuldades em reconhecer e pronunciar palavras novas.
Também no caso de publicações litúrgicas, ou outros livros religiosos costuma-se pontilhar o texto. Esses livros tendem a apresentar formas arcaicas da língua que talvez o público leigo não reconheceria facilmente sem a ajuda de vogais.
Além disso, existem regras muito estritas que regem a pronúncia exata dos textos sagrados, que às vezes diferencia-se da maneira que as mesmas palavras são geralmente pronunciadas no cotidiano.
Outro uso para os pontinhos se dá quando, em um texto não pontilhado (não vocalizado) o escritor acha que o público não poderá pronunciar certa palavra, por ser um nome estrangeiro pouco conhecido, ou uma palavra quase nunca utilizada. Ou quando o autor deseja diferenciar a palavra em questão de uma outra que é escrita da mesma maneira, mas pronunciada (e portanto pontilhada) de forma diferente.
Nós vamos fazer uso extensivo desse recurso durante nosso curso. Mas, como a nossa intenção é aprender a língua hebraica para utilizá-la em toda a sua extensão, nossa meta será ler, reconhecer e pronunciar as palavras na forma não vocalizada.
Também ao escrever em hebraico nós nunca pontilhamos o texto, a não ser no caso de uma palavra nova, para depois lembrar como ela é pronunciada (para isso você também pode utilizar o alfabeto latino, se preferir).
Essa proficiência em ler o texto hebraico não pontilhado também é muito útil para quem deseja ler bem o texto bíblico. Apesar das impressões da Bíblia serem sempre vocalizadas, você lerá o texto com muito mais fluência porque terá mais intimidade com a língua.
Moderno versus Bíblico
Este curso propõe-se a ensinar em primeiro lugar o hebraico moderno.
A diferença entre o hebraico bíblico e o moderno é – acima de tudo para os principiantes – muito menos uma questão de diferença das duas variantes, e muito mais uma questão de aprofundar-se no conhecimento da língua.
Em Israel, o aluno só é introduzido ao estudo do hebraico bíblico quando já completou o nível intermediário de hebraico moderno (nível “gimel”). Ele deve então continuar os estudos avançados de hebraico moderno, enquanto começa nos níveis básicos de hebraico bíblico.
A razão para isso é que os textos bíblicos contêm formas gramaticais sofisticadas, por vezes arcaicas e eruditas. Já o hebraico moderno leva o aluno à compreensão das formas mais básicas e simples, que servem de introdução para registros mais elevados (ou mais arcaicos) da língua.
Outra razão para começar com o hebraico moderno primeiro é que você aprende muito mais facilmente a língua na sua modalidade falada. Escutando a língua, aprendendo canções em hebraico, lendo textos com temática moderna (e portanto mais próxima à nossa realidade), comunicando-se, escrevendo e falando em hebraico.
Além disso, se você realmente quiser aprofundar-se na língua hebraica, com certeza você terá que vir a Israel para estudos mais avançados, para conhecer a terra e a tradição judaica. Para isso, nada melhor que falar a língua local em lugar de depender de traduções em inglês, não é mesmo?
Qual israelense acreditará que você é um estudioso da língua hebraica e das escrituras, se ele tem que se comunicar com você utilizando outra língua? Principalmente considerando que a variante bíblica é considerada de um nível escolástico mais elevado que a simples língua utilizada no dia a dia.
Mas, para os interessados no hebraico bíblico – não se preocupem: o registro bíblico é a base da língua. Por isso vamos também, desde as primeiras lições, nos aventurar em pequenos trechos bíblicos, aprender estórias e ditos provenientes da tradição judaica. Assim você também enriquecerá seus conhecimentos do hebraico bíblico passo a passo.
Tenho certeza que você vai se apaixonar pela língua e cultura hebraicas. Na lição 2 vamos começar aprendendo algumas vogais e consoantes.